“Sem um ecossistema institucional adequado, os privados não se chegam à frente”
Planificar e preparar a infra-estruturação para dela tirar o melhor proveito possível. Ideia defendida pelo economista e engenheiro civil Joseph Martial Ribeiro. Autor de três livros sobre gestão de projetos e defensor das parcerias entre Estado e privados, este cabo-verdiano, residente em Luanda, alerta para a necessidade de um quadro institucional credível, que aposte na eficiência.
O BAD fixa as necessidades de financiamento de infra-estruturas em África entre 130 e 170 mil milhões de dólares por ano, ao longo dos próximos anos. Nos processos de desenvolvimento, qual a centralidade da infra-estruturação?
Não há desenvolvimento sustentável sem infra-estruturas. As infra-estruturas podem ser transportes, água e saneamento, telecomunicações e também energia. Sem encarar os desafios nestes quatro subsetores, vamos ter muitas dificuldades para conseguir ter um ambiente favorável ao investimento produtivo de longo prazo.
As necessidades de cada país são muito particulares.
Cada país tem as suas necessidades. Por exemplo, temos dezasseis países encravados, em que as suas necessidades são mais ao nível das estradas que os vão ligar aos países vizinhos. Os países do litoral, como Cabo Verde ou Senegal, têm necessidade de infra-estruturas portuárias. As necessidades têm é um ponto comum: não há estudos ou projetos suficientemente detalhados e bem preparados para encarar cada necessidade. Na África de Sul, que teve um desenvolvimento muito importante, a preparação dos projetos de infra-estruturas era coordenada por um comité presidencial que fazia a orquestração de tudo. Ali teve sucesso.
É um pouco o que está acontecer atualmente com o Ruanda.
Isto parte de uma visão de longo prazo e também de um planeamento e seguimento constante dos projetos. O Ruanda tem o condão de ser um país com grande qualidade ao nível das instituições públicas, o que facilita o investimento em infra-estruturas. Temos que levar em conta que não é só o Estado que deve investir em infra-estruturas. Temos as parcerias público-privadas (PPP) que são uma solução para o financiamento e preparação dos projetos. Mas sem um ecossistema institucional adequado, os privados não se chegam à frente.
Em alguns países, as PPP revelaram-se focos de corrupção e problemas.
Isso diz respeito à qualidade do quadro institucional, porque cada projeto, seja PPP ou diretamente financiado pelo Estado, tem de ser devidamente preparado. Muitas vezes, o que acontece é que há um certo imediatismo. Queremos resultados para já. O antigo chefe da Reserva Federal norte-americana, Ben Bernanke, dizia que não há falta de financiamento. O problema é a escassez de projetos bem preparados, sobretudo em África.
Também se discute a implementação de projetos desajustados daquilo que são as necessidades dos países e que, portanto, não se transformam em mais-valias.
Um projeto bem preparado vai ter financiamentos e vai produzir efeitos. Para mim, o ‘calcanhar de Aquiles’ em África é que queremos resultados imediatos, o que nem sempre é compatível com o que são as infra-estruturas.
Falta o quê, aos países africanos, para que sejam capazes de preparar devidamente os seus projetos?
Nem sempre os países querem endividar-se para preparar estudos. Querem endividar-se para fazer obras. Há um problema de ecossistema. O que nós temos vindo a observar é que a ajuda ao desenvolvimento, muitas vezes, vem como ‘chave na mão’, porque vem o financiamento, vêm os estudos, os técnicos, toda a gente para realizar o projeto. Isto não favorece o desenvolvimento do ecossistema nacional, em termos de capacidade das instituições e do setor privado e não deixa no terreno conhecimento, experiência e prática. Também há uma questão de vontade política, para envolver os gabinetes de estudos e empresas nacionais na realização das obras.
O Joseph defende a ideia de um novo modelo de desenvolvimento.
Os países africanos não têm alternativa. A década de 1995, até 2005, foi a década de crise da dívida em África, que deu origem ao programa de países altamente endividados. Hoje em dia, temos receio de vir a enfrentar um novo ciclo de endividamento, mas desta vez mais violento, porque as dívidas africanas têm agora uma natureza bastante comercial. Neste cenário, África tem que mudar de paradigma, temos que fazer um desenvolvimento sustentável, com arrecadação de receitas internas. Temos que apostar na eficiência. Cada país tem as suas vantagens e é uma questão de se analisar para definir qual o modelo de desenvolvimento mais adequado.
Cada país deve identificar o seu próprio modelo de desenvolvimento.
Absolutamente. Cada país tem que fazer a sua análise e ver, num contexto continental e num contexto global, que papel que pode desempenhar para ter uma vantagem competitiva em relação a outros países.
E a infra-estruturação deve ser rentável, é isso?
Temos que ver a infra-estruturação como um passo para a industrialização, porque sem infra-estruturas não podemos ter uma industrialização e sem industrialização não podemos ter criação de emprego para os jovens que entram todos os anos no mercado de trabalho. De uma forma geral, o modelo que temos tido em África é de investimento através do orçamento do Estado. O Estado investe e depois paga a dívida.
Hoje em dia, falamos da participação do setor privado e esta é uma realidade que se pode constatar em muitos países Africanos, o que faz com que uma infra-estrutura possa ser rentável, propiciar lucros e rendimentos, para compensar o custo.
Um modelo de desenvolvimento económico que envolva o setor privado implica capacidade de captar investimento externo, o que nos leva a uma discussão, até ideológica, da transferência de centros de decisão para o estrangeiro. Politicamente, como é que isto pode ser resolvido?
Isto é um debate que existe em muitos países e que nos remete para a qualidade das nossas instituições. Se existir uma preparação suficiente dos projetos e uma visão clara de onde se quer chegar, a economia fica menos vulnerável às veleidades do parceiro externo. Nenhum país pode viver de forma isolada, hoje em dia. Os países têm que dialogar, fortalecendo as suas capacidades de negociação. Para mim, o problema das economias africanas é a falta de preparação a longo prazo. Fazemos as coisas de forma acelerada devido à falta de preparação e deixamos os países mais vulneráveis perante um investidor que vem com uma visão de longo prazo.
Outra questão fundamental dos processos de desenvolvimento prende-se com a redistribuirão da riqueza gerada. São muitos os exemplos de países africanos que tiveram crescimento económico, sem que a riqueza criada chegasse às pessoas.
Existe uma divisão muito marcada, em África, entre as zonas rurais e as zonas urbanas. A pobreza é mais concentrada nas zonas rurais e periurbanas. Vejo isso, primeiro, como um problema de produção agrícola, capaz de ajudar a criar condições para que não exista esse fosso. Temos que apostar na educação das pessoas, porque a riqueza dos países está a transformar-se de uma riqueza à base de produtos naturais, para uma riqueza à base de conhecimento. Cabo Verde, nesta matéria, tem conseguido bons resultados. Educação, controlo de recursos como água, produção agrícola e infra-estruturas são elementos que vão ajudar a nivelar os ganhos do crescimento.
Está optimista em relação ao Acordo de Livre Comércio?
Neste momento, o Acordo de Livre Comércio é um quadro de intenções e vão existir negociações para os pormenores, mas creio que é uma boa coisa. África contribui com menos de 3% no comercio mundial, o que é muito pouco. Sem ser num mercado mais alargado, com mais-valias, não poderá crescer além desses 3%. O Acordo de Livre Comércio tenta resolver este problema, pois vai fomentar a industrialização de África. Mais de 42% do comércio entre países africanos é constituído por produtos industriais. Mas os ganhos não vão ser imediatos, porque uma grande barreira à aplicação e eficiência deste acordo são as infra-estruturas. Não temos estradas em condições.
A comissão económica da ONU para a África acredita que o Acordo poderá levar a um crescimento de 53% no comércio intra-africano. Este mercado alargado poderá ser uma forma de fixar empresas e atrair investimentos?
Sim, mas mais uma vez as infra-estruturas. Nenhuma empresa virá se não tiver garantia de produção de energia, acesso ao porto, escoamento da produção, qualidade institucional. Muitos países africanos apostam nos incentivos fiscais como forma de atrair investimentos. É uma aposta normal, mas não é o fator determinante. No Uganda e Quénia, os incentivos fiscais custam até 5% do PIB, o que é muito dinheiro. Mas quando os investidores foram questionados, disseram que privilegiam mais o quadro institucional, a estabilidade politica e jurídica. Quadro institucional, qualidade das infra-estruturas disponíveis, segurança pública, eficiência. Os investidores procuram confiança para poderem investir.
Engenheiro e economista
Joseph Martial Ribeiro é cabo-verdiano, residente em Luanda, representante do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Ph.D. em hidrologia (Ecole Polytechnique de Montreal, Canada, 1994), MBA (University of Cumbria, Reino Unido, 2017), diplomado em ciências políticas (Universidade de Londres, Reino Unido, 2014), engenheiro civil (Ecole Polytechnique de Thiès, Senegal, 1989). É autor de três livros em gestão de projetos e de vários artigos de natureza científica no domínio da hidrologia.
Fonte: Expresso das Ilhas