“Gostaríamos de contribuir para a comunidade local, porque vamos ficar aqui por muitos anos”
Arrancaram os trabalhos para a instalação da primeira unidade produtiva da Nortuna, dedicada à produção e exportação de atum rabilho em aquacultura. Ao Expresso das Ilhas, Jan-Helge Dahl, CEO da empresa de origem norueguesa, explica as diferentes dimensões de um projecto que começa por Flamengo, em São Vicente, antes de se alargar a Santo Antão e, mais tarde, a São Nicolau.
A instalação da vossa unidade começou na última semana. Quais são as vossas expectativas para os próximos meses?
Até agora está a correr bem. Temos um calendário apertado, porque queremos começar a produzir juvenis este ano. Temos que aproveitar a época de desova no Mediterrâneo, pelo que teremos ovos em Julho e Agosto. Quando esta janela se fechar, será necessário esperar mais um ano. De acordo com o nosso empreiteiro, o departamento de incubação estará pronto em Julho, para receber os ovos de atum rabilho.
O vosso método de produção é inovador.
Sim. Ao longo dos últimos dez anos, temos mantido em Espanha um método de pesquisa e desenvolvimento, com a participação de cientistas de diferentes países europeus. Em 2014, fomos bem-sucedidos pela primeira vez e, desde essa altura, temos repetido o processo várias vezes, para assegurar que os protocolos são cumpridos correctamente. Esta será a primeira vez que produziremos comercialmente e o que acontecerá é que transportaremos os ovos desde o Mediterrâneo, incubando-os e alimentando-os. É um processo muito complicado. Precisámos de dez anos para perceber como controlar os primeiros trinta dias e somos a primeira empresa do mundo a ser capaz de fazê-lo deste modo.
Quando é que os primeiros atuns chegarão ao mercado?
Em Junho de 2022.
E quais são as vossas expectativas em termos de produção?
Temos basicamente dois cenários. O primeiro cenário é que vamos produzir, aproximadamente, 30 mil toneladas ao ano, dentro de dez anos. 10 mil toneladas em São Vicente, 10 mil toneladas em Santo Antão e 10 mil toneladas em São Nicolau. O segundo cenário prevê a produção de 100 mil toneladas por ano. Dentro de 10 anos, teremos 10 mil toneladas em São Vicente, 10 mil toneladas em Santo Antão e o resto será produzido em São Nicolau, porque São Nicolau, pelas suas características, pode suportar muito mais biomassa do que São Vicente e Santo Antão.
Então, porquê começar em São Vicente?
Há vários factores. Em primeiro lugar, é a ilha mais populosa entre as três. Tem serviços, universidades, que são importantes para nós. Em todo o caso, Santo Antão e São Vicente são encaradas numa perspectiva única, pelo que toda a produção nestas duas ilhas estará organizada de forma conjunta. São Nicolau está mais distante e será uma tarefa mais difícil, mas também representa o maior potencial de produção. Aqui em São Vicente, em Flamengo, e em Santo Antão, quando estivermos a operar, teremos cerca de 400 pessoas a trabalhar.
O pescado será exportando já processado ou sem processar?
Tudo será processado aqui. Não será enviado nada para ser processado noutros países, não é essa a estratégia. Na fase dois, construiremos a unidade de processamento e na fase três teremos uma unidade VIP, para acrescentar valor ao produto, porque na Europa e na América do Norte os restaurantes preferem diferentes partes do atum, pelo que faremos cortes diferentes. Tudo será exportado fresco, transportado por via aérea, tal como temos na Noruega.
Portanto, quando começarem a exportar, a unidade de processamento já estará pronta.
Sim. Será construída aqui [em São Vicente] mas também teremos uma em São Nicolau, quando começarmos a produzir lá.
E quanto à unidade VIP…
Será aqui, mas também teremos uma em São Nicolau, no futuro. Precisamos de ter biomassa crítica para justificar o investimento na unidade VIP, o que acontecerá quando atingirmos uma produção anual de cerca de 5 mil toneladas. É um grande investimento, mas cria valor. Significa diferenciar o produto para diferentes nichos de mercado, ao invés de enviar o produto inteiro, como faremos no início.
Porquê Cabo Verde?
É uma boa questão. Como muitas coisas na vida, é um pouco de sorte, mas também com um racional atrás da decisão. Durante três anos, procurámos um parceiro com quem trabalhar. Começámos no Mediterrâneo, onde tivemos o nosso programa. Depois, mudámos o foco para as Canárias, mas foi muito difícil lidar com a burocracia. Havia muitas entidades que tinham alguma coisa a dizer sobre o projecto. Ao fim de dois anos de conversações, abandonámos a ideia. Então, o meu amigo Luís Rodrigues, que é de Santo Antão e que vive na Noruega há 40 anos, ligou-me, disse-me que tinha lido o projecto e perguntou-me “porque é que não olhas para Cabo Verde como alternativa?”. Começámos a verificar as condições e são ideais. A temperatura da água do mar está entre os 21 e os 26 graus ao longo de todo o ano, o que é fantástico. É a condição óptima. Além disso, Cabo Verde está situado no meio do Atlântico, não existe indústria de aquacultura. Um dos desafios que existem onde há uma grande indústria de aquacultura é que, se surge uma doença, ela espalha-se facilmente entre diferentes unidades de produção. Estamos por nossa conta e podemos desenvolver o projecto da maneira que gostaríamos de fazê-lo.
Podem atrair concorrência…
Sim. Eu tive concorrência a minha vida toda, essa não é a questão. É uma questão de tentar isolar a produção, para optimizar os protocolos que queremos seguir. E somos muito rigorosos. Tudo o que fazemos tem uma pegada verde. Estamos a trabalhar com a WWF, na Noruega, para organizar um sistema de rastreio do atum rabilho que produzimos, para que um pescador não possa capturar atum e apresentá-lo ao mercado como se fosse de aquacultura. Temos trabalhado com o governo de Cabo Verde e com o governo da Noruega para fornecer serviços e conhecimento, para monitorizar os stocks pesqueiros. Há um protocolo assinado entre uma entidade norueguesa e o IMAR. O programa decorrerá todos os anos e vamos negociar para que os nossos navios possam participar. Os peixes que vamos criar exigem comida. Podemos comprar essa comida em Espanha, na Noruega ou no Japão, mas preferimos comprá-la aqui. Para isso, é necessário monitorizar o stock de peixe nas águas oceânicas profundas, o que ainda não foi feito. Podemos criar uma empresa para produzir farinha e óleo de peixe. Portanto, há uma série de spinoffs que resultam deste projecto.
Deixe-me explorar um pouco melhor a questão do impacto económico deste projecto. Dizia-me há pouco que prevê criar 400 postos de trabalho, entre São Vicente e Santo Antão.
Quando todas as unidades estiverem a funcionar, incluindo São Nicolau, teremos aproximadamente mil empregos directos. Mas os serviços que uma empresa do género exige significam que, por cada pessoa que contratamos directamente, precisamos de mais três empregos indirectos. Isto dá uma ideia das perspectivas que temos.
Empregos que serão criados em toda a cadeia de abastecimento…
Após cerca de cinco anos, exportaremos 60 toneladas de atum por dia, cinco dias por semana.
Já agora, como é que o farão?
Para começar, usaremos voos regulares, porque desenvolvemos diferentes contentores e embalagens. Mas quando estivermos a falar de 60 toneladas por dia, teremos voos cargueiros especiais. É isso que fazemos com o salmão, da Noruega para o Japão, para os Estados Unidos.
Como é que decorreu o diálogo com as autoridades nacionais?
Foi fantástico. As pessoas são prestáveis. Prestaram um grande serviço. Claro que existe uma outra cultura. Nós somos do norte da Europa e estamos habituados a trabalhar de outra forma, mas temos que nos adaptar. Na Noruega temos tudo mais ou menos digitalizado, hoje em dia. Podes sentar-te em casa e criar a tua empresa, não precisas de assinaturas, nem nada disso. Uma das coisas mais stressantes em Cabo Verde é que tens que andar de escritório em escritório, para carimbar documentos. Mas a vida é assim. Até agora, estou feliz, muito feliz. O governo tem estado a fazer um fantástico trabalho por nós.
Considera que Cabo Verde tem potencial na área da aquacultura?
Na Noruega, a indústria da aquacultura de Salmão é a segunda maior indústria exportadora do país. Se olhar para os números que vamos produzir aqui, terão um grande impacto na economia local. Habitualmente, os investidores pedem isenções, não querem pagar impostos. A nossa abordagem é totalmente diferente. Nós pagaremos impostos como uma empresa cabo-verdiana. Nós gostaríamos de contribuir para a comunidade local, porque vamos ficar aqui por muitos anos e precisamos de segurança, precisamos de serviços. Envolvemos a melhor universidade marítima da Noruega, para trabalhar com a universidade aqui, para criar um programa para os estudantes, para que possam ser ensinados sobre a indústria da aquacultura, porque precisaremos de contratar pessoas da comunidade local. Não queremos enviar um monte de técnicos para ficarem aqui para sempre. Esta empresa deve ser operada pelos cabo-verdianos, que precisam das competências. É assim que achamos que devemos fazer as coisas.
Fonte: Expresso das Ilhas nº 1007 de 17 de Março de 2021.