Victor Fidalgo: "Na economia também temos de saber ousar"

Balanço do ano turístico, novos investimentos, o hub do Sal, a supressão dos vistos para turistas e os desafios para o sector a curto prazo são alguns dos temas desta conversa entre o Expresso das Ilhas e o consultor internacional Victor Fidalgo.

Com 2018 a começar, que balanço podemos fazer do turismo em 2017?
Foi bom, não só pela conjuntura internacional, que continua favorável a Cabo Verde, mas também, temos de reconhecer que o governo trouxe uma mensagem nova aos empresários e essa mensagem foi uma espécie de vitamina positivamente contagiante para os privados. As pessoas tornaram-se mais optimistas e houve mais actividade da sua acção empresarial, o que contribuiu para consolidar a dinâmica do sector. Por outro lado, o governo também teve medidas fundamentais, nomeadamente, a definição do rateio dos recursos, como a taxa turística e a taxa ambiental, criando assim previsibilidade e permitindo às câmaras municipais alavancar essas receitas e trabalhar melhor na requalificação do destino. Esse sinal positivo vindo do sector público também encoraja o sector privado a acreditar que as coisas vão mudar para melhor.
Mas esse optimismo é visível em novos investimentos?
Há novos investimentos a nascer, mas os investimentos mais visíveis – os grandes investimentos – levam o seu tempo de maturação, que muitas vezes duram até três anos antes de começar a execução no terreno. Por isso nem sempre se vê, mas está em curso o impacto desse optimismo reinante. Vemos algumas obras a surgir, outras a acelerar, no Sal, na Boa Vista, aqui na Praia, em Santo Antão, em São Vicente – onde vão ser assinados dois acordos relativos a dois projectos cuja preparação está já avançada, por isso acredito que vão nascer – Fogo tem ainda um pequeno bloqueio, mas acredito que vai resolver-se. Mas estamos também a ver o papel do governo na política de empoderamento de empresas nacionais para melhorarem a sua inserção na economia turística, nos segmentos onde podemos ser competitivos. Portanto, o optimismo está a transformar-se em acções concretas que, acredito, vão ter impacto na economia e na sociedade cabo-verdiana.
E a sociedade ainda terá paciência para esperar por esses resultados?
Os resultados virão. Costuma dizer-se que o pobre é demasiado impaciente, quer as coisas para ontem, mas temos de ter essa noção do processo de maturação. Mas acredito que o impacto será a curto prazo.
Quando fala em empresas a redireccionarem serviços para o turismo, quando fala da requalificação urbana, acha que serão formas de acrescentar valor ao sector em Cabo Verde?
Seguramente. Cabo Verde começou com um modelo all-inclusive que aos poucos está a alargar-se para outro tipo de turismo. Para termos esse outro turismo temos de urbanizar, temos de melhorar as nossas cidades, para que o turista tenha prazer em circular. E já há reacções. Posso falar de uma câmara que conheço bem, a do Sal, que já tem programada a modernização do centro de Santa Maria, e isso de certeza que vai criar um espaço de movimentação de turistas e vai dinamizar a economia nacional. Os restaurantes, os bares, e outras actividades conexas, vão ganhar muito com essa qualificação dos centros urbanos. Mesmo dos caminhos vicinais. Tudo isso vai dinamizar a economia local. Além disso, já começamos a ter hotéis que não são apenas all-inclusive. Claro que estas coisas levam o seu tempo, mas já temos o Hilton, que veio juntar-se ao Morabeza, e em breve devem surgir mais uns dois hotéis dessa natureza, particularmente no Sal, e muito por causa da nova política de transportes que o governo está a lançar com a criação do hub do Sal. Não só porque o hub exige hotéis que não sejam all-inclusive, como os próprios hotéis all-inclusive não estão muito interessados em trabalhar com esse tipo de clientes. Objectivamente, há condições para desenvolver outro tipo de turismo. Já na Praia e São Vicente as condições são naturais para o turismo de negócios, cultural, de eventos, etc. Na Praia tem de continuar a melhorar-se o espaço urbano e tem de se combater a delinquência para termos uma cidade segura. Se queremos turismo urbano os turistas têm de poder andar pelas cidades tranquilos.
A supressão dos vistos que papel pode jogar nesse contexto?
A supressão dos vistos, só por si, não significa um aumento do número de turistas. Mas a base ainda está errada, vê-se sempre como uma questão policial, quando na verdade é uma questão económica. No entanto, com a política de hub sinto-me confortável para defender a tese, que já avancei, de supressão universal de vistos. Podemos ter uma lista de países cujos documentos não têm credibilidade: Síria, Iémen, Sudão, Congo, etc., de resto é permitir a universalidade, seja pela supressão simples, seja pela substituição do visto por uma taxa. Por exemplo, na Etiópia toda a gente entra, mas toda a gente paga à saída. Se entendermos que não vale a pena cobrar nada, não cobramos. Temos é de acertar rapidamente a data e vê-la como uma decisão económica.
A questão do hub é muito recente, com uma implementação muito rápida desde que foi falado até à sua concretização. Este tipo de turismo – stop-over – pode revolucionar o sector em Cabo Verde?
Seguramente. Ou melhor, é uma possibilidade, mas temos de trabalhar. Como disse há pouco, começa na criação de infra-estruturas hoteleiras adequadas, que vão constituir um outro segmento de turismo no Sal. Além do Hilton – que foi feito quando ainda não havia essa possibilidade de stop-over – há a necessidade de mais hotéis no Sal, e já há uma dinâmica em preparação.
E este será o tipo de hotéis, por exemplo, onde os investidores nacionais podem avançar?
Sim, estamos a falar de unidades mais pequenas, entre 50 a 60 quartos, onde os nacionais podem investir, trabalhando em estreita articulação com quem traz os turistas, neste caso a TACV. Por outro lado, poderemos diversificar o mercado emissor de turistas, que vêm com outros propósitos.
E com outro dinheiro.
Com certeza.
Mas há aqui um papel fundamental que terá de ser jogado pela promoção do país. Como avalia a promoção externa de Cabo Verde neste momento?
Para começar já há uma boa medida com a introdução de uma pequena nuance, mas de grande alcance, na marca Cabo Verde: em vez de um país dez destinos, passámos para o Cabo Verde is something else. O que, em termos de mensagem, suscita curiosidade, de ver o que é esse algo diferente. O desafio, para nós, é criar esse algo diferente. E não só, temos de pensar em medidas de transportes que façam recuperar uma certa mobilidade e permitir visitar outras ilhas. Repara, quando fazes um stop-over em Lisboa, rapidamente podes apanhar um comboio Alfa Pendular e ir até ao Porto. Agora é encorajar os investidores a entrarem nessa aventura que, acredito, vai dar resultados positivos.
Os empresários nacionais têm de aprender a arriscar mais?
Sim. Não podemos ver o fim em tudo o que fazemos. Na economia, temos de perspectivar e ousar um pouco o desconhecido, o não certo, para podermos ter mais-valias adequadas. Estamos a trabalhar e acredito que nos próximos dois a três anos as coisas começarão a surgir.
Uma última questão: principais desafios a curto prazo?
Temos de melhorar certas infra-estruturas básicas: água, energia, gestão de lixo, urbanismo, saúde e continuar a melhorar a área da formação, não basta popularizar a educação, é preciso ser exigente na qualidade tanto dos formadores como dos formandos. Escândalos como o que aconteceu com os manuais de matemática não podem acontecer. São esses os dossiers a atacar para melhorar as condições de investimento e de funcionamento dos investimentos. Se há problemas de água, energia no Sal, na Boa Vista, ou em Santiago, os investidores não aparecem, nem que lhes ofereçam terrenos de graça. Porque o seu cliente vem disposto a pagar, mas tem de ter condições. São essas as avenidas em que temos de trabalhar, além de, como já disse, na conectividade entre ilhas, onde temos sido incapazes de trazer soluções. Há que por fim a esse circulo vicioso e dar o salto.

Fonte: Expresso das Ilhas

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