Editorial: Com clareza ganha-se eficiência

Da Conferência Internacional comemorativa dos 20 anos da assinatura do Acordo de Cooperação Cambial entre Portugal e Cabo Verde saiu pelo menos uma novidade: O doutor João Serra, Governador do BCV, foi claro a defender que a adesão de Cabo Verde à moeda única da CEDEAO não vale a pena.

Justificou a sua declaração afirmando que “nós quase não temos relações económicas com a África: quer com a CEDEAO, quer com a África no seu todo. E continuou: “90% das nossas importações vêm da Europa, 90 das nossas exportações vão para a Europa, 90% das nossas remessas dos emigrantes vêm da Europa, 90% dos investimentos externos vêm da Europa” pelo que Cabo Verde não tem vantagens em alterar a sua ligação. O facto curioso é que insistiu em dizer que fazia a defesa dessa posição do “ponto de vista técnico”.

Os dois políticos presentes na abertura e no fecho da conferência, respectivamente o Vice-primeiro ministro e o primeiro-ministro, não aproveitaram a ocasião para clarificar qual é realmente a opção política definitiva quanto ao futuro da moeda nacional. Limitaram-se a apoiar o acordo cambial existente, mas relembrando o VPM o “enquadramento africano e a perspectiva de criação de moeda única africana” e o PM a necessidade da “âncora na Europa, mas sem prejuízo da integração regional”. Mesmo com os dados sobre as relações económicas com a África apresentados pelo governador do banco central a preferência foi manter uma posição ambígua sobre a matéria. Para revelar a sua posição o governador teve que se socorrer da sua condição enquanto técnico.

É evidente que o país nada ganha com a falta de clareza em questões fundamentais. Dissipam-se recursos, não se age estrategicamente e dificilmente se consegue manter a motivação e o foco da nação no que realmente precisa fazer para vencer os desafios do desenvolvimento. Várias serão as razões por que colectivamente se persiste nesta atitude tão perniciosa de não confrontar a realidade como ela se apresenta. Entre elas estará a sempre presente tentação de atirar os problemas para debaixo do tapete, como se aí desaparecessem ou se resolvessem por si próprios. Não deixarão de contribuir também os vestígios de amarras ideológicas e de sentimentalismos bacocos, que outrora serviram para legitimar regimes anti-democráticos e para sustentar engenharias sociais duvidosas, como projectos de construção de nações e do homem novo. Só assim se explica que, mesmo com a economia a funcionar em 90% com a Europa, quer-se é integração africana, e pouco interessa para o caso que o professor doutor João Estêvão, nessa conferência do BCV, tivesse demonstrado que desde do século dezoito a relação económica de Cabo Verde com África sempre foi marginal. Ou que recentemente, na sequência da rejeição da presidência cabo-verdiana da CEDEAO, o governo tenha achado por bem criar uma pasta ministerial de integração africana. Ninguém percebeu a estratégia por detrás dessa iniciativa. Talvez mais um caso de sentimentos a sobrepor-se a interesses.

Mais complicado ainda é que, sem se definir ao mais alto nível e sem ambiguidades o futuro da política monetária do país, se procure aprofundar o acordo cambial na perspectiva de aumentar a linha de crédito que suporta a convertibilidade do escudo caboverdiano. Inicialmente estimada em 50 milhões de euros, parece que hoje é considerada insuficiente não só porque a economia de Cabo Verde tem uma outra dimensão como, particularmente depois da liberalização de capitais, o BCV, segundo o governador na sua intervenção, perdeu a sua “função de prestamista de última instância”. O levantamento do controlo do movimento de capitais tem um preço: pode potenciar ataques especulativos à moeda cabo-verdiana. E como acrescenta o governador isso pode acontecer mesmo “num contexto de disciplina de disciplina macroeconómica”.

O aumento na linha de crédito de apoio cambial serviria também para apoiar em caso de acção de especuladores. O problema é se quem faculta a linha de crédito o faz contando com essa possibilidade e considerando os riscos inerentes. O economista americano Jeffrey Sachs, quando liderou a equipa técnica que dirigiu todo o processo de convertibilidade do zloty polaco nos fins dos anos oitenta e início de noventa, foi peremptório em dizer que a marca de maior sucesso do processo foi o facto de nunca ter sido necessário recorrer a linha de crédito criada para o suportar. Com isso reforçaram grandemente a confiança na sustentabilidade da convertibilidade do zloty. Nesta perspectiva, parece pior sugerir que alguma vez linhas de crédito similares sirvam para responder a ataques especulativos contra a moeda nacional. Ainda por mais, como é caso, quando não há clareza total do que se pretende no futuro com a “integração africana”.

Apesar das críticas vindas de vários quadrantes, optou-se por liberalizar completamente o movimento de capitais. Supõe-se que no processo de decisão tiveram em devida conta a história económica de vários países, em particular dos apanhados pela crise de 1997 e os problemas posteriores do Brasil, Argentina e Rússia, que aconselharam a manutenção de controlos na saída de capitais. No mesmo sentido aponta o caso recente da Turquia, que assistiu em poucos dias à queda do valor da sua moeda em 40%. No caso de Cabo Verde está-se para ver os influxos de capitais que a liberalização poderá facilitar e como os benefícios irão contrapor-se aos eventuais riscos. A vontade geral é que tudo corra bem. Para assegurar isso é importante clareza nas políticas, agir com pragmatismo e não deixar-se apanhar nem pela ideologia, nem por sentimentalismos.

Da Conferência Internacional comemorativa dos 20 anos da assinatura do Acordo de Cooperação Cambial entre Portugal e Cabo Verde saiu pelo menos uma novidade: O doutor João Serra, Governador do BCV, foi claro a defender que a adesão de Cabo Verde à moeda única da CEDEAO não vale a pena.

Justificou a sua declaração afirmando que “nós quase não temos relações económicas com a África: quer com a CEDEAO, quer com a África no seu todo. E continuou: “90% das nossas importações vêm da Europa, 90 das nossas exportações vão para a Europa, 90% das nossas remessas dos emigrantes vêm da Europa, 90% dos investimentos externos vêm da Europa” pelo que Cabo Verde não tem vantagens em alterar a sua ligação. O facto curioso é que insistiu em dizer que fazia a defesa dessa posição do “ponto de vista técnico”.

Os dois políticos presentes na abertura e no fecho da conferência, respectivamente o Vice-primeiro ministro e o primeiro-ministro, não aproveitaram a ocasião para clarificar qual é realmente a opção política definitiva quanto ao futuro da moeda nacional. Limitaram-se a apoiar o acordo cambial existente, mas relembrando o VPM o “enquadramento africano e a perspectiva de criação de moeda única africana” e o PM a necessidade da “âncora na Europa, mas sem prejuízo da integração regional”. Mesmo com os dados sobre as relações económicas com a África apresentados pelo governador do banco central a preferência foi manter uma posição ambígua sobre a matéria. Para revelar a sua posição o governador teve que se socorrer da sua condição enquanto técnico.

É evidente que o país nada ganha com a falta de clareza em questões fundamentais. Dissipam-se recursos, não se age estrategicamente e dificilmente se consegue manter a motivação e o foco da nação no que realmente precisa fazer para vencer os desafios do desenvolvimento. Várias serão as razões por que colectivamente se persiste nesta atitude tão perniciosa de não confrontar a realidade como ela se apresenta. Entre elas estará a sempre presente tentação de atirar os problemas para debaixo do tapete, como se aí desaparecessem ou se resolvessem por si próprios. Não deixarão de contribuir também os vestígios de amarras ideológicas e de sentimentalismos bacocos, que outrora serviram para legitimar regimes anti-democráticos e para sustentar engenharias sociais duvidosas, como projectos de construção de nações e do homem novo. Só assim se explica que, mesmo com a economia a funcionar em 90% com a Europa, quer-se é integração africana, e pouco interessa para o caso que o professor doutor João Estêvão, nessa conferência do BCV, tivesse demonstrado que desde do século dezoito a relação económica de Cabo Verde com África sempre foi marginal. Ou que recentemente, na sequência da rejeição da presidência cabo-verdiana da CEDEAO, o governo tenha achado por bem criar uma pasta ministerial de integração africana. Ninguém percebeu a estratégia por detrás dessa iniciativa. Talvez mais um caso de sentimentos a sobrepor-se a interesses.

Mais complicado ainda é que, sem se definir ao mais alto nível e sem ambiguidades o futuro da política monetária do país, se procure aprofundar o acordo cambial na perspectiva de aumentar a linha de crédito que suporta a convertibilidade do escudo caboverdiano. Inicialmente estimada em 50 milhões de euros, parece que hoje é considerada insuficiente não só porque a economia de Cabo Verde tem uma outra dimensão como, particularmente depois da liberalização de capitais, o BCV, segundo o governador na sua intervenção, perdeu a sua “função de prestamista de última instância”. O levantamento do controlo do movimento de capitais tem um preço: pode potenciar ataques especulativos à moeda cabo-verdiana. E como acrescenta o governador isso pode acontecer mesmo “num contexto de disciplina de disciplina macroeconómica”.

O aumento na linha de crédito de apoio cambial serviria também para apoiar em caso de acção de especuladores. O problema é se quem faculta a linha de crédito o faz contando com essa possibilidade e considerando os riscos inerentes. O economista americano Jeffrey Sachs, quando liderou a equipa técnica que dirigiu todo o processo de convertibilidade do zloty polaco nos fins dos anos oitenta e início de noventa, foi peremptório em dizer que a marca de maior sucesso do processo foi o facto de nunca ter sido necessário recorrer a linha de crédito criada para o suportar. Com isso reforçaram grandemente a confiança na sustentabilidade da convertibilidade do zloty. Nesta perspectiva, parece pior sugerir que alguma vez linhas de crédito similares sirvam para responder a ataques especulativos contra a moeda nacional. Ainda por mais, como é caso, quando não há clareza total do que se pretende no futuro com a “integração africana”.

Apesar das críticas vindas de vários quadrantes, optou-se por liberalizar completamente o movimento de capitais. Supõe-se que no processo de decisão tiveram em devida conta a história económica de vários países, em particular dos apanhados pela crise de 1997 e os problemas posteriores do Brasil, Argentina e Rússia, que aconselharam a manutenção de controlos na saída de capitais. No mesmo sentido aponta o caso recente da Turquia, que assistiu em poucos dias à queda do valor da sua moeda em 40%. No caso de Cabo Verde está-se para ver os influxos de capitais que a liberalização poderá facilitar e como os benefícios irão contrapor-se aos eventuais riscos. A vontade geral é que tudo corra bem. Para assegurar isso é importante clareza nas políticas, agir com pragmatismo e não deixar-se apanhar nem pela ideologia, nem por sentimentalismos.

Autoria/Fonte

Autor: Humberto Cardoso

Fonte: Expresso das Ilhas

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